Autoria Conjunta da Drª Cristiana Maia e Dr. Vinícius Ferreira
Publicado 16 de junho de 2011 na
Revista Universitas: Relações Internacionais.
O Direito Internacional possui um escasso número de princípios e regras que o regem. Algumas dessas regras, previstas em tratados internacionais, tratam especificamente sobre o chamado Direito Internacional Tributário, visando, primordialmente, evitar o fenômeno da bitributação. Esses tratados são tidos como fontes do Direito Tributário Internacional e se assemelham a negócios jurídicos contratuais, valendo, em regra, somente entre as partes contratantes.
Os tratados de direito internacional em geral, possuem como base o princípio do pacta sunt servanda, que, por sua vez, está estritamente ligado à noção de boa fé. Atualmente, tal princípio está abalado, tendo de assumir novas matrizes e acepções distintas na tentativa de neutralizar o problema de equilíbrio internacional gerado entre os Estados pela formação de diversos centros econômicos próprios, os chamados blocos econômicos (SACHETTO, 2007).
Para tentar amenizar tal situação, parte-se da premissa da boa fé, a aceitação, em algumas situações, de que o Estado contratante seja compelido a seguir os parâmetros da comunidade internacional, uma vez que o outro Estado-Membro espera tal comportamento, conforme prevê o artigo 18º da Convenção de Viena que protege a legítima expectativa entre os Estados fundada nos tratados internacionais (RUBISTEIN, 2006).
Esta perspectiva principiológica não se restringe ao direito internacional puro e simples. O direito tributário internacional enfrenta também o desafio de adequar-se às novas perspectivas geopolíticas.
Os avanços tecnológicos, sobretudo no que tange às telecomunicações, exigem um dinamismo cada vez maior. As barreiras geográficas são transpostas, resultando na constante necessidade de controle sobre o tráfego internacional, tanto de mercadorias como de pessoas. Tal realidade aduz a importância da constante modernização do sistema tributário internacional, precipuamente em relação aos chamados tributos sicofânticos, ou delatores.
Essa necessidade está ligada ao fato de haver uma dependência, na qual é fundamental a identificação de um elemento de conexão entre o fato tributável e o ente tributante (ROLIM, 2006; MOREIRA, 2006). Ocorre que, em âmbito internacional, temos diversos impasses, dentre eles as chamadas evasão fiscal, elisão fiscal, a situação da dupla tributação e da dupla não tributação, bem como o fenômeno da triangulação tributária.
O fenômeno da triangulação ocorre quando um produto é produzido em determinado país, no intuito de burlar leis anti-dump, embargos econômicos, ou aproveitar-se de políticas alfandegárias.
Gradativamente, são observadas notórias discussões oriundas do planejamento tributário nesse sentido. A constante luta entre o ente da administração e o contribuinte dá ensejo ao desenvolvimento de meios, objetivando a deturpação das normas fiscais, bem como a interpretá-las, permitindo a redução do peso econômico e tornando-as mais competitivas.
Para uma maior compreensão, faz-se necessário distinguir os conceitos de evasão e elisão fiscais. Ambos são meios de obter a redução no encargo tributário, no entanto, apesar de semelhantes, podem ser diferenciados mediante dois critérios: um cronológico e outro quanto à licitude dos meios empregados.
O primeiro critério, leva em conta o momento em que as medidas são tomadas. Se o for anteriormente ao fato gerador, trata-se de elisão e, conseqüentemente, o meio empregado é lícito. Caso contrário, ocorre a evasão e, por conseguinte, ilícito.
No caso da evasão, lançando mão de meios ilícitos como documentações falsas ou declarações deturpadas, o contribuinte emprega meio ilícito e, desse modo, evasivo. Com tal atitude, o sujeito passivo da relação lesa os cofres públicos e comete crime contra a ordem tributária; no caso de uma empresa migrar para outro Estado no intuito único de obter vantagem advinda de benefícios fiscais, tal manobra é ilícita, mas não consiste em fato típico. No entanto, ambas as hipóteses consistem em formas de elisão fiscal.
Outro fenômeno originário de tais relações que esbarra na evasão fiscal é a chamada dupla não tributação. Essa situação acontece quando um Estado entende que determinado tributo deva ser recolhido no país de origem enquanto outro entende de forma contrária. Assim, as leis fiscais de dois ou mais Estados não abrangem certo fato criando um vácuo fiscal, seja pela vontade dos Estados, quando eles estão ligados entre si por tratados tributários ou por composição de suas leis especificas, quando não estão conectados por qualquer tipo de tratado tributário (XAVIER, 2010).
Tal fenômeno pode ocorrer de diversas maneiras e, muitas vezes, atingir todo um bloco econômico. No caso do Mercosul, trata-se mais de uma União Aduaneira do que propriamente um Mercado Comum; no entanto, tal construção não deixa de emanar diversos efeitos na ordem jurídica tributária de seus Estados-Membros.
À época de sua formação, a preocupação primordial era simplesmente de eliminar as tarifas aduaneiras entre tais países; porém, para viabilizar um comércio mais intenso em um bloco econômico era necessário que estes adotassem um único regime de tributação, seja este baseado na origem ou no destino dos produtos e serviços.
No Mercosul, foi instituído o regime de tributação no destino, norma essa prevista no art. 6º da Decisão CMC nº 10/94 , o que significa que os produtos somente poderão ser tributados no país da importação. Além dessa instituição para viabilizar uma união aduaneira, é necessário que haja uma proibição de superonerosidade de certos produtos importados de um Estado-Membro em relação aos produtos nacionais. Em tal atmosfera, há o ambiente ideal para o desenvolvimento dessas questões.
O instrumento jurídico utilizado para a vedação desse tratamento discriminatório está previsto no artigo 8º, “d” e no artigo 7º do Tratado de Assunção. São as chamadas cláusulas da nação mais favorecida e de tratamento nacional, respectivamente.
A cláusula da nação mais favorecida, em linhas gerais, determina que o produto originário de um Estado-Membro receba o mesmo tratamento tributário que o outorgado ao produto de qualquer outro país membro.
Já a cláusula do tratamento nacional possui como finalidade eliminar as desigualdades de tratamento entre os produtos nacionais e originários dos Estados-Membros. Ou seja, enquanto a cláusula da nação mais favorecida requer o tratamento igual entre diferentes Estados, a cláusula do tratamento nacional exige que os produtos importados de Estados-Membros tenham o mesmo tratamento tributário dos produtos domésticos, sendo que esta última pode ser aplicada, em teoria, antes ou depois do desembaraço aduaneiro. Deve-se destacar que a segunda forma de aplicação é a mais comum, como se pode notar na previsão contida no artigo III do GATT.
A cláusula do tratamento nacional no Mercosul é muito mais ampla que a prevista no GATT, implicando dessa forma, em uma maior proteção contra os encargos aduaneiros discriminatórios.
A cláusula do tratamento nacional no GATT e na Comunidade Europeia restringe sua aplicação aos tributos indiretos, pois estes últimos são pagos pelo usuário final. Já no Mercosul há uma pequena controvérsia quanto à redação do artigo 7º, posto que este expressamente limita sua aplicação aos produto, não mencionando sua aplicação quanto aos serviços, juros, royalties, dividendos e outros fluxos de capital. Como os tributos diretos não são aplicados especificamente aos produtos, fica difícil detectar uma eventual discriminação. Dessa forma, há quem defenda que a cláusula do tratamento nacional no Tratado de Assunção tem seu âmbito limitado somente a tributos indiretos (PEREIRA, 2005, p. 174-176).
Essas regras gerais desenham o escopo da problemática da triangulação tributária, as quais acabam por criar um efeito de barreira tarifária para os demais países não membros de tais blocos econômicos, como pode ser observado nos chamados casos de exclusão de produtos importados (exclusion des produits importes directement de pays tiers). Esses casos tratam da situação na qual um produto importado de um Estado-Membro e um importado de um Estado não membro gera um efeito de barreira tarifária para o produto do Estado não membro do bloco econômico em questão (TORRES, 2005).
Deve-se atentar para a situação do Chile, associado ao Mercosul, e dos Estados Unidos da América, signatário do NAFTA.
Em 1996, o Chile celebrou acordo com o Mercosul e, desde então, apesar de não fazer parte do bloco como Membro, é beneficiado com as vantagens alfandegárias advindas do pacto. No entanto, não fica impedido de também o ser com acordos tarifários com outros países como, por exemplo, os Estados Unidos.
A economia chilena não passa de 9% da brasileira, entretanto, representa 40% da argentina. Não obstante, em razão de tais pactos, as exportações americanas para o Chile superam mercados de países com proporções continentais como a Rússia e a Indonésia. Ao passo em que a República do Chile exporta mercadorias, como vinhos, com preços muito competitivos para o pujante mercado americano, países como a Argentina, signatários do Mercosul, são prejudicados como no caso da produção de laranja brasileira que enfrenta sérias dificuldades advindas do protecionismo americano.
De forma alusiva ao que ficou conhecido como O dilema do prisioneiro, três possibilidades se apresentam.
Primeiramente, o Mercosul que intenta a adesão do Chile e da Bolívia, paralelamente, os Estados Unidos buscam a implantação da ALCA, obviamente sob sua liderança. Nesse compasso, o Chile torna-se o principal foco do impasse, a terceira possibilidade. Apesar de, à primeira vista, parecer paradoxal, tal situação acarreta uma estabilidade que favorece justamente esse país. Vestindo a roupagem de objeto de barganha política, o Chile simplesmente se mantém neutro, aproveitando-se da situação que, por fim, acaba por lhe ser favorável.
No caso da triangulação, é possível imaginar a hipótese de uma empresa chilena importar um produto eletrônico americano, fazer-lhe pequenas alterações, inserir-lhe uma etiqueta com os dizeres made in Chile, e comercializá-la nos países do Mercosul sem os mesmos encargos tributários. Tal empresário, utilizando meios fraudulentos, conseguirá uma competitividade muito maior do que os produtos americanos vendidos nos outros países e a mesma qualidade.
O mesmo ocorre com a simples montagem do produto em zonas de livre comércio como a de Manaus e a da Terra do Fogo. Porém, a CAMEX já se manifestou no sentido de regulamentar as relações comerciais em suas portarias números 63 e 80 de 2010, ressaltando a necessidade de se observar o país de origem das mercadorias.
Aplicando-se tal realidade à Teoria dos Jogos, ocorre a aplicação infeliz do Equilibrio de John Nash. Em uma disputa envolvendo dois ou mais participantes, nenhum tem a ganhar mudando sua estratégia unilateralmente. Nesse caso, a relação estaria equilibrada de modo que, tanto o Brasil quanto os EUA conseguem se beneficiar. Entretanto, quem mais sai lucrando com isso é o Chile que se beneficia de ambos os lados.
Deve-se atentar ainda quanto ao pujante crescimento da China que, hoje, já ocupa a segunda posição no ranking das maiores economias do mundo. Acordos com Brasil já vêm sendo firmados de modo que o Mercosul já não reflete uma prioridade nem mesmo para aqueles que o lideram.
A influência estadunidense permeia a integração dos países que, como no caso do Chile, preferem a estabilidade promovida pelo impasse a definir uma posição.
Na luta pela liderança, Mercosul e NAFTA disputam com “unhas e dentes”, buscando sempre uma maior influência política. A predominância no mercado sul americano continua despertando o interesse, tanto do Brasil e dos Estados Unidos quanto da China, que cada vez mais reflete a necessidade de se reverem os conceitos aduzidos pela geopolítica, sobretudo, no que tange aos paradigmas bilaterais baseados na teoria dos jogos.