Finalmente, o livro que tive a honra de escrever um capítulo acaba de ser publicado (Obrigada UniCEUB- Grupo de Estudos e Pesquisa Mercosul!!). É uma obra coletiva que vale a pena ter na prateleira (para quem gosta da matéria).
Segue uma prévia do capítulo de Integração Internacional que escrevi juntamente com meus colegas de pesquisa. Espero que gostem:
2. Integração
Internacional
A integração internacional é
um tema que vem ganhando destaque com o avanço da Internet e a globalização. Mas
poucos sabem o real significado deste instituto e suas conseqüências na
economia global, bem como sua importância para os blocos regionais que vão se
formando.
O tema da integração internacional econômica ganhou maior
visibilidade em razão dos avanços econômicos empreendidos pela Comunidade
Européia. Parte da origem do ideal integracionista poderia ser atribuída aos
filósofos existencialistas como Immanuel Kant e seus escritos em que discorreu
sobre sua esperança de encontrar a “paz
perpétua” por meio de uma federação de Estados livres regulada pelo Direito
das Gentes e pelo Direito Cosmopolita.[1]
Essa visão idealista das
relações internacionais nasceu após a segunda grande guerra, quando se pode
dizer que o receio de que novos conflitos de grande proporção pudessem colocar
novamente em risco a segurança e a paz mundial geraram o realismo político e
muito incentivaram a celebração de tratados e a criação de órgãos
internacionais. Essa cooperação internacional permitiu uma incursão para o
estágio de verdadeira integração que se consolidou com o surgimento das Comunidades
Européias e relativizou a teoria da soberania clássica, como Hans Kelsen há
muito havia profetizado “na conclusão do seu ensaio sobre a soberania, de 1920:
“O conceito de soberania deve ser radicalmente mudado. É esta a revolução da
consciência cultural da qual necessitamos em primeiro lugar.”[2]
Luigi Ferrajoli traz em seu
livro “A soberania no mundo moderno”
a importante colaboração de Francisco de Vitoria para a atual teoria da
soberania em âmbito internacional ao contestar todos os títulos de legitimação
inicialmente aduzidos pelos espanhóis em sustento da conquista, lançando assim
os alicerces da teoria do direito internacional moderno que permeia o novo
conceito de soberania.[3]
Os Estados que participam de
processos de integração tem como objetivo principal a busca pelo
desenvolvimento econômico, como afirma Eduardo Schaposnik: “a integração não é
um fim em si mesmo, mas um meio ou um instrumento para conseguir o
desenvolvimento”.[4]
Porém deve-se destacar que a integração não só interfere nos aspectos
econômicos, mas também interfere nos aspectos políticos sociais e na esfera do
direito.
O fenômeno da integração
ainda não está suficiente delimitado e sistematizado, principalmente porque
compreende temática nova e bastante mutável. Sendo assim não existe modelo
rígido a ser seguido pelos blocos de integração. As características de cada
processo de integração podem variar conforme uma série de fatores.
2.1.
Distinção
entre o conceito de cooperação e o conceito de Integração
Tendo como modelo a integração européia, podemos dizer que
uma das principais características a serem destacadas é a estreita ligação
entre integração e interdependência.
O conceito clássico de soberania não é mais adequado para
descrever a situação internacional da atualidade, posto que atualmente a
independência absoluta não mais existe no sistema internacional contemporâneo.
Hoje os Estados devem pensar suas atitudes de forma global, pois como bem
menciona Malcom Shaw:
Qualquer ação de um Estado pode ter
profundas conseqüências e repercussões nos demais estados, sendo assim as decisões
devem ser pensadas considerando tal impacto nos demais Estados.[5]
Balassa defende que a integração pode ser vista tanto como
processo, quanto como estado. Para ele a integração como processo “abrange medidas destinadas a abolir
discriminação entre unidades econômicas pertencentes a diferentes Estados
Nacionais” já a integração como estado de coisa nada mais seria do que a “ausência
de várias formas de discriminação entre economias nacionais”.[6]
Sendo assim, podemos concluir que a integração vista sob um prisma dinâmico
corresponderia ao processo, já a integração no seu aspecto estático
constituiria estado de coisas.
A maior parte da teoria aplicada ao processo de integração
baseia-se fundamentalmente nos artigos do GATT referentes a integração entre as
partes contratantes e na experiência européia, para melhor entendermos tal
instituto faz-se necessário compreendermos o conceito de coordenação,
concentração, cooperação e integração distinguindo-os entre si.
2.1.1
Coordenação
Conforme definição no dicionário Aurélio, coordenação
pode ser definida como uma disposição
ordenada, coerente e metódica das idéias numa frase, num texto.
Desta forma a coordenação entre Estados-membros de
um bloco seria a utilização de esforços de todos os Estados no intuito de
atingir um mesmo objetivo. Como, por exemplo, o pedido do presidente da Comissão
Européia para que houvesse uma coordenação entre os Estados-membros da União
Européia no intuito de superar a crise financeira internacional: “Apelo
aos Estados-membros que façam um verdadeiro esforço para melhorar a coordenação
entre si, bem como com as instituições européias”.[7]
2.1.2
Concentração
Quando se fala em integração regional,
inevitavelmente falar-se-á na necessidade de coordenação das estruturas produtivas
para uma maior integração dos Estados-membros. Tal conceito muito difere da
concentração.
O dicionário Aurélio define
o ato de concentração como sendo ação de concentrar,
de agrupar. Sendo assim neste conceito cada país deve concentrar sua
produção naquelas áreas em que fosse relativamente mais competitivo, agregando
valores que se complementam no bloco econômico. O ato de concentração depende
do grau de compromisso do Estado membro com os demais países com os quais
mantém comércio, que por sua vez influência na soberania das decisões destes
países membros.
2.1.3
Cooperação
Keohane define a cooperação,
“como um processo de coordenação de políticas, por meio do qual os atores
ajustam seu comportamento às preferências reais ou esperadas dos outros atores
internacionais”.[8]
Tal cooperação é considerada
por autores como Carlos Francisco Molina Del Pozo e Jamile Bergamaschine Mata
Diz, como o primeiro pilar para uma completa integração intergovernamental como
ocorreu na União Européia. Estes autores destacam a necessidade de uma espécie
de cadeia evolutiva das formas de integração, onde a cooperação seria peça
chave para se chegar a desejada integração total e completa tanto do âmbito
aduaneiro como no âmbito social.[9]
As áreas de exclusiva
cooperação também são conhecidas como áreas de preferência tarifaria, devido
sua superficialidade e pequena abrangência, não representam ainda formas de
integração.
2.1.4
Integração
Trata-se de uma forma mais desenvolvida de cooperação. MORE
destaca em seu trabalho que o
termo "integração", pode ser visto como forma
de abolição de entraves nos movimentos de mercadorias, pessoas e capitais,
alargando desta forma a atuação da oferta e da procura ao eliminar as
distorções causadas pela antiga política setorial. O autor nos ensina que tal
termo passou a ser aplicado aos fenômenos econômicos que surgiram durante a
segunda grande guerra mundial, desde esta época o conceito de integração tem
variado de acordo com o enfoque que se dê. Do ponto de vista econômico
integração significaria, para o doutrinador Rodrigo More, a abolição dos
entraves globais bem como uma maior movimentação de mercadorias, pessoas e
capitais, alargando desta forma a atuação da teoria da “oferta e da procura” e
resultando em uma política comum que possui como objetivo precípuo a abolição
das distorções das políticas setoriais. Já do ponto de vista jurídico tal
integração significaria muito mais que uma união política econômica, mas sim
uma harmonização e uma uniformização dos sistemas legais de todo o mundo.[10]
A integração pode ser
considerada como sendo o primeiro passo para uma total harmonização global.
Esta por sua vez subdivide-se em diversas categorias dependendo do grau de
integração para sua classificação.
2.2.
Categorias
de integração
Inspirado no processo de integração
europeu, Bela Balassa[11]
destacou cinco formas de integração que, por sua vez, podem também ser lidas
como sendo etapas do processo de formação de um estágio cada vez mais profundos
de integração. As etapas destacadas por Balassa são: as zonas de livre-comércio,
a união aduaneira; mercado comum; união monetária e a união econômica integral,
que pode ser considerada um ideal internacional ainda não alcançado por
completo.
2.2.1.
Zona
de Livre-Comércio
Para Balassa esta é a
primeira etapa do processo de integração. Nessa etapa, as barreiras tarifárias
e não tarifárias são eliminadas do comércio dentre os Estados que formam parte
do bloco econômico.[12]
Deve-se destacar que nas zonas de livre-comércio a política comercial exterior
de cada Estado-membro se mantém independente, sendo, desta forma, permitido aos
Estados-membros a prática isolada de tarifas aduaneiras com relação a Estados
estranhos. Tal permissão acaba por gerar a problemática da “triangulação”, que
é a possibilidade de um Estado membro ao se relacionar e fazer uma nova
política tarifária com um Estado estranho ao bloco, permitindo desta forma que os
produtos do Estado estranho consigam entrar no bloco como se este membro fosse.
Para melhor ilustrar tal problemática podemos pensar em um acordo entre os EUA
e a Inglaterra com base no Common Law, porém com a Inglaterra faz parte da
União Européia, se o EUA vende-se um produto á Inglaterra dentro de seu “pacto
econômico”, tal produto, uma vez dentro da Inglaterra, teria livre acesso aos
demais países membros da União Européia sem necessariamente fazer parte de tal
bloco econômico. Para evitar tal problemática foi criada a chamada “regra de
origem”, no qual passa a valer a origem do produto para que sejam aplicados as
normas e benesses da zona de livre comércio.
2.2.2.
União
Aduaneira
Tal problemática faz surgir
a União Aduaneira como forma de evitar as deficiências da zona de livre
comércio. Essa segunda etapa do processo de integração compreende a aplicação de
uma tarifa externa comum bem como a harmonização da política comercial com
relação a Estados terceiros. Com a instituição desta tarifa comum todas as
mercadorias que ingressam no bloco ficam sujeitas ao pagamento dos mesmos
direitos aduaneiros, não importando em qual Estado-Membro se realize o
desembaraço aduaneiro.
Ricardo Xavier Basaldúa
diferencia a união tarifaria, também conhecida como zona de livre comércio da
categoria união aduaneira. Na primeira haveria apenas eliminação de barreiras
tarifárias e não tarifárias no comércio entre Estados- Membros e no máximo a
constituição da tarifa externa comum, já na união aduaneira, haveria além das
características da união tarifaria um código aduaneiro comum.[13]
2.2.3. Mercado Comum
O mercado comum representa o
terceiro estágio da integração. Nessa etapa soma-se às características da zona
de livre-comércio e da união aduaneira, gerando a livre circulação de todos os
fatores produtivos.
Para que determinado bloco
de integração possa ser considerado um mercado comum é necessário que haja
completa liberdade de circulação de bens, capitais, serviços e pessoas,
política de comércio exterior harmonizada e a existência de TEC aplicada por
todos os Estados Membros.[14]
Observe que o Tratado de
Montevidéu de 1980, em seu artigo 7º, prevê a conclusão entre seus Países-Membros
de acordos econômicos de alcance parcial. Desta forma o MERCOSUL bem como
outros mercados comuns conseguem escapar da cláusula da nação mais favorecida
ao firmarem um acordo parcial de complementação econômica. Ana Cristina Pereira
nos explica que por ser o MERCOSUL um acordo considerado de alcance parcial,
prevalece o entendimento de que os Estados-membros do MERCOSUL não estão
obrigados a estender qualquer vantagem comercial acordada aos demais membros. É
desta forma que os países membros da ALADI conseguem escapar da clausula da
nação mais favorecida.[15]
2.2.3.
União
Econômica e Monetária
Por último, a União Monetária
constitui o penúltimo estágio da integração sendo superior no nível de
desenvolvimento ao já mencionado mercado comum, pois abrange as características
deste e ainda impõe a harmonização das legislações nacionais nas áreas da
política econômica, financeira e monetária. Neste estágio normalmente ocorre a
unificação da moeda, da política monetária e de seu controle por parte da união
dos Estados-membros.
Esse tipo de união requer a
liberalização completa do movimento de bens, capitais, serviços e pessoas, a
aplicação da Tarifa Externa Comum, harmonização integral das políticas
macroeconômicas e setoriais, bem como a criação de um Banco Central comunitário
e de uma moeda comum para todo o bloco econômico, que em regra ficam sob uma coordenação
comum.
Já a União Econômica
Integral, pode ser definida como sendo uma das formas de integração mais
profundas imaginada por Bela Balassa. Essa etapa demanda a “unificação de
políticas monetárias, fiscais, sociais e contracíclicas e requer a criação de
uma autoridade supranacional cujas decisões sejam obrigatórias aos Estados
Membros”.[16]
O professor Paulo Roberto de
Almeida destaca em seu trabalho “Acordos
minilaterais de integração e de liberalização do comércio” que a América
Latina trata-se de uma das regiões de maior intensidade e volume de acordos
minilateralistas hoje registrados, observando-se desta forma a nova
problemática nomeada como sendo “prato de espaguete” por Jagdish Bhagwati (the spaghetti bowl problem[17]).
Hoje se pode dizer que preside uma pluralidade de diferentes formatos de
acordos preferenciais sendo servidos com “molhos”, que nada mais são do que as
diversas regras de origem para cada um dos acordos firmados.
Desde o surgimento desta
teoria pode-se dizer que o MERCOSUL não obteve sucesso no estabelecimento do
prometido mercado comum, nem ao menos completar sua união aduaneira. Sendo assim alguns doutrinadores afirmam que
apesar do MERCOSUL encontrar-se no estágio anterior ao chamado União monetária,
visto que as preferências até aqui trocadas entre os países membros tanto da
CAN como do Mercosul não tem acrescentado nenhum ganho substancial em relação
aos tradicionais acordos aladianos, somente contribuindo para a formação cada
vez pior do cenário pintado por Jagdish Bhagwati, o tão temido “prato de
espaguete”.
Outrossim, não há qualquer previsão
que o MERCOSUL venha a atingir tal patamar de integração, como assim o foi com
a União Européia, mas tal falta de previsão não deve acabar com a esperança de
uma pacificação mundial defendida por Immanuel Kant e outros filósofos
visionários do passado.
3.
Bibliografia
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[1] BOHLKE. Marcelo, Integração Regional e Autonomia do seu
Ordenamento Jurídico. 2007,
Curitiba: Juruá, p. 25
[2]
KELSEN, Hans. II problema
della sovranità e La teoria Del diritto Internazionale. Contributo per una
dottrina pura del diritto, 1920, trad. italiana de A. Carrino, Giuffré, Milão,
1989, p. 469.
[4] SCHAPOSNIK.
As teorias da integração e o Mercosul:
estratégias. p 161 Apud BOHLKE.
Marcelo, Integração Regional e Autonomia
do seu Ordenamento Jurídico. p. 41
[7] Barroso apela à coordenação entre
Estados-membros para responder à crise financeira. Economia, Jornal Eletrônico
P20, http://economia.publico.pt/Noticia/barroso-apela-a-coordenacao-entre-estadosmembros-para-responder-a-crise-financeira_1345366.
Publicado 08.10.2008, acessado em 31/10/2010
[8] KEOHANE.
R. 1984. After Hegemony: Cooperation and
Discord in the World Political Economy. New Jersey: Princeton University
Press.
[9] Parece evidente que el término
“cooperación” em el contexto comunitário anuncia um paso hacia atrás, uma
vuelta a los planteamientos de las organizaciones de características
intergubernamentales.” (...) Si se da por supuesto que La cooperación reforzada
se aplica tanto al proceso de integración de carácter supranacional ( el primer
pilar), como em el ámbito intergubernamental ( el segundo pilar), ya no se
detecta uma paradoja terminología, sino que se advierte más bien uma nueva
tendencia general hacia el intergubernamentalismo em el contexto de La Unión
Europea. POZO. Carlos
Franciso Molina del (Org.); DIZ, Jamile Bergamaschine Mata (Org.). Integração e Aplicação da União Européia.
1º Edição. 2 Tiragem. Ed. Juruá. Curitiba. 2004, p. 21-22:
[10]
(..) como um termo
aplicável a fenômenos econômicos, surgiu entre 1939 e 1942, ainda durante a II Guerra, tornando-se um importante
recurso prático em termos de política econômica
internacional e de direito
internacional público. Assim, do ponto de vista
econômico, o conceito varia de acordo com o enfoque acentuado pelos
diversos autores. (...) integração significa a abolição de entraves em movimentos de mercadorias,
pessoas e capitais, alargando a atuação da oferta e da procura, como resultado de uma
política comum visando a eliminação das distorções das políticas setoriais.
Finalmente, no esforço de uma conceituação jurídica do
fenômeno, integração significa a harmonização ou a
uniformização dos sistemas legais internos dos Estados, viabilizando a integração política e econômica. MORE.
Rodrigo Fernandes, Integração econômica internacional. Revista
Eletrônica Jus Navegandi, http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3307
.1998, acessado em 31/10/2010.
[14] POZO. Carlos
Franciso Molina del (Org.); DIZ, Jamile Bergamaschine Mata (Org.). Integração e Aplicação da União Européia.
1º Edição. 2 Tiragem. Ed. Juruá. Curitiba. 2004, p. 39
[15]
PEREIRA. Ana Cristina
Paulo. Direito Institucional E Material
Do Mercosul . 2 Edição, Ed. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2005
[17] Aggarwal, Vinod K. and Ralph
H. Espach, “Diverging Trade Strategies in Latin America: An Analytical
Framework” in Aggarwal, Vinod K., Ralph H. Espach, and Joseph S. Tulchin, eds.,
Regional and Transregional Trade Strategies in Latin America (in press).
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